Em meio a tecnologias e processos na indústria, cultura organizacional vem ganhando cada vez mais espaço na gestão como aspecto fundamental para o avanço industrial. Embora os estudos e as práticas deste campo não sejam novos, ainda apresenta inúmeras carências de como entendê-la e de como agir organizacionalmente para influenciá-la. Profissionais que trabalham com este tema relatam ser algo subjetivo, complexo e com dificuldade de especificar aspectos práticos. Neste contexto, neste artigo, procurarei apresentar uma visão construída a partir das experiências extraídas com clientes de consultoria de D.O. e de algumas referências teóricas. Longe de esperar dar cabo de toda a complexidade do tema, serão discutidos os aspectos da organização do trabalho e a maneira como esta influencia na formação e manutenção de aspectos culturais na organização. E, ao final, apresentar uma reflexão sobre possíveis caminhos a serem explorados na orientação de aspectos culturais a partir de uma orientação estratégica da organização do trabalho.
Cultura é estudada há muito tempo por antropólogos e sociólogos e, com Edgar Schein, ganhou ênfase a abordagem de estudo da cultura em organizações profissionais de maneira mais sistematizada. Schein entende que uma organização é um pequeno grupo social e que sua cultura pode ser definida como uma “aprendizagem acumulada e compartilhada à medida que esse grupo soluciona problemas de adaptação externa e de integração interna, e que tem funcionado bem o suficientemente para ser considerada válida ao ponto de ser ensinada aos novos membros”. Geralmente, o aprendizado “vai ocorrendo” ao longo do dia a dia organizacional. Este aspecto histórico da aprendizagem coletiva na solução de problemas, emoldura “padrões ou sistemas de crenças, valores e normas comportamentais”, servindo de premissa básica para o funcionamento do grupo. Não iremos nos aprofundar na discussão sobre cultura organizacional em si. No entanto, vale destacar este elemento da cultura como “aprendizagem de um grupo frente aos “problemas organizacionais” como fundamental. E, se o desejo for apreender a cultura, para assim colocar uma intencionalidade na sua formação, vale iniciar por apreender o “jeito aprendido” e os fatores históricos importantes nesta aprendizagem.
Neste sentido, um aspecto essencial nesta aprendizagem coletiva é a maneira como a organização do trabalho foi estruturada ao longo de seu período histórico. Constituindo, assim, a forma presente de como ela resolve os problemas de integração interna e externa, realiza o seu trabalho e seu resultado. Podemos, então, entender a organização do trabalho, de uma forma mais geral, como a maneira aprendida de como “dividir e coordenar o trabalho” ² com foco na resolução dos “problemas da tarefa e resultado organizacional”. Desta forma influenciando a manutenção de aspectos culturais a partir da dinâmica do trabalho. A organização do trabalho, portanto, pode ser um aspecto importante (e menos subjetiva de ser compreendida) para lidar com elementos da cultura organizacional. Um caminho bastante promissor e prático.
Tenho notado em indústrias e empresas de serviço um padrão ou um paradoxo. Relatos de insatisfação com os efeitos de aspectos culturais presentes na dinâmica de trabalho: baixo engajamento, burocracia, baixa abertura à inovação, centralização e dependência hierárquica, dificuldade de ação coordenada etc. Mas, ao mesmo tempo, baixa disponibilidade em investigar a fundo as questões organizacionais que têm impactado na manutenção destes efeitos culturais. Entendo isso como um paradoxo atual na gestão e que muitas vezes enxergo investimentos de energia e recursos em “transformações culturais”, mas que o efeito é a manutenção e reforço dos padrões indesejados. Ou seja, na prática pouco se observa de mudança no dia a dia organizacional.
Compreender como a organização do trabalho foi formada na empresa e identificar aspectos que a faz ser mantida na forma atual, pode ser um caminho para oportunidades de adaptações, mudanças e melhorias. Geralmente, a divisão do trabalho e os mecanismos de coordenação estão presentes de forma periférica nas reuniões e conversas, se restringem a partes específicas como processos e layout do chão de fábrica ou são responsabilidade exclusiva da área de Recursos Humanos.
De forma esquemática, abaixo, está sugerida uma representação do fluxo com algumas das principais variáveis no estabelecimento da organização do trabalho em uma organização.
A organização do trabalho é composta, de maneira simplificada, por duas grandes vertentes: divisão e coordenação do trabalho. A divisão do trabalho é, como o nome diz, decisões realizadas ao longo da história da organização que resultou em sua estrutura presente na divisão entre unidades de negócio, matriz etc. (Macroestrutura), criação de departamentos/equipes, com suas zonas de responsabilidades (Estrutura Funcional) e as posições na estrutura que também possuem seu conjunto de responsabilidades e tarefas. Vale destacar que as escolhas de estruturas e posições tendem a ser criadas em um continuum entre dois polos: centralização da natureza das tarefas (financeiro, Manutenção, engenharia etc.) e a Diversificação da natureza da tarefa (Equipes Multifuncionais).
Na coordenação do trabalho estão presentes as decisões (explicitas ou tácitas) para adaptação às necessidades de resolução de problemas de resultado. Dois principais eixos são presentes: um vertical com decisões a respeito dos níveis hierárquicos e a amplitude de atuação da supervisão, resultado numa maior ou menor supervisão direta do trabalho – maior a menor autonomia, por exemplo. O eixo horizontal está relacionado aos processos (fluxos de trabalho e informação) e rotinas operacionais e de gestão. Por exemplo, espaços de Coordenação como reuniões de metas e objetivos, resolução de problemas, projetos etc.
A dinâmica do trabalho, por sua vez, é fruto da interação humana com a organização do trabalho. A maneira como o trabalho é dividido e coordenado e a maneira como as pessoas ocupam e realizam o seu trabalho constitui a dinâmica. Os aspectos comportamentais e de relações humanas, bem como as competências, são percebidos nesta interação. As questões de comportamento de gestão e liderança, fundamentais para a manutenção de aspectos da cultura organizacional, também são percebidas nesta interação. Embora haja uma predisposição de se abordar a cultura organizacional apenas pelos aspectos comportamentais, vale destacar que a dinâmica do trabalho é mais representativa. Não é raro de se observar característica culturais como “burocrática”, “conflituosa”, “estagnada, sem melhorias”, “apática” etc. Em muitos casos, opta-se por substituir o gestor, mas a manutenção do status quo permanece. Olhar a cultura organizacional pela ótica da dinâmica do trabalho, fruto da interação humana com a organização do trabalho, pode ser um excelente caminho para ações mais eficazes de transformação cultural.
Neste sentido, não é possível compreender a “obra desvinculando-a de seu criador”. Ou seja, as decisões sobre a organização do trabalho foram realizadas ao longo da história da organização influenciadas por uma série de variáveis – práticas ou subjetivas; situacionais ou estratégicas – na busca pela adaptação na resolução dos problemas da tarefa e resultado organizacional. A fotografia atual da dinâmica do trabalho é o conjunto histórico de decisões, que modela a organização do trabalho em sua interação com as pessoas e, por sua vez, a cultura organizacional.
E quais possibilidades existem, então, de influenciar aspectos da cultura organizacional pela organização do trabalho?
Para explorar esta pergunta, trarei dois casos vivenciados em uma mesma organização industrial multinacional.
Em um determinado momento, uma decisão de divisão em unidades de negócio foi tomada. O que antes era uma Macroestrutura e Supervisão Regional passou a ter estrutura por naturezas semelhantes de negócio em unidades. Cada unidade de negócio reunia diferentes plantas fabris espalhadas pelo globo com report direto a um país. Observou-se uma mudança drástica na dinâmica de trabalho. O fuso horário fez com que jornadas de trabalho se entendem-se para algumas posições. A supervisão tendeu-se ao micro gerenciamento, diminuindo a autonomia local e, aumentando a carga de reuniões de alinhamento. O processo de decisão ficou moroso com as extensas discussões para aprovações. Um clima de desconfiança e baixo senso de pertencimento passou a permear a organização. Alguns anos depois, reverte-se a decisão da estrutura em unidades de negócio, passando para estrutura regional. Muitos profissionais neste meio do caminho foram demitidos por baixa adesão a mudança e outros optaram por sair pois desacreditavam no futuro da organização naquele modelo. Após 10 anos esta organização vive reflexos destas decisões. Aspectos culturais como apatia, senso de pertencimento e confiança das pessoas na empresa foram perdidos.
No outro caso, um departamento de Overhaul (manutenção programada de grande porte) representava um dos maiores custos na planta fabril. Dificilmente os orçamentos eram cumpridos pelos inúmeros imprevistos, índices de segurança do trabalho fora da expectativa e havia rotatividade alta de pessoas. Em um processo aprofundado de Desenvolvimento Organizacional no departamento, inúmeras contações levaram a mudanças da organização do trabalho. Rotinas e práticas de gestão foram implementadas, mudanças na maneira de contratar e gerenciar empresas terceirizadas, rotinas de planejamento de melhoria contínua dos processos em toda a equipe, aumento da autonomia de decisões operacionais, implementação de sistemas de informação, introdução de posições de gestão de planejamento de custo e práticas de gestão de pessoas e liderança. Após 6 meses, os indicadores em estado crítico foram revertidos. Infelizmente, depois de 2 anos de ganhos no departamento, a cultura presente desta organização engoliu esta área e boa parte dos profissionais desistiram da empresa.
No primeiro caso, não estava contida na estratégia a importância que a mudança na organização do trabalho teria sobre a dinâmica do trabalho, seja para uma gestão de mudança mais bem planejada ou a não decisão de mudar a estrutura. O que ficou claro foi o impacto negativo nos resultados. No segundo caso, para que novos resultados surgissem, fez parte da estratégia a mudança da dinâmica de trabalho a partir das alterações na organização do trabalho.
Fica destacada a importância de uma ótica estratégica para a organização do trabalho e seus impactos na dinâmica do trabalho esperada. Faz-se necessário, portanto, incluir na estratégia organizacional planos que considerem fortemente a organização e a dinâmica do trabalho. Vale pensar em um projeto organizacional com aspectos culturais esperados, a partir da observância da dinâmica do trabalho. Investigar profundamente questões existente da organização do trabalho que se transformadas poderão impactar estrategicamente aspectos culturais.
Embora não seja a expectativa de tratar toda a complexidade da cultura organizacional, fica assim o convite para a reflexão sobre os aspectos apresentados no artigo. E, com isso, que possamos enxergar cada vez mais estratégias organizacionais que considerem aspectos para além dos indicadores esperados.
Até a próxima!