Organizações nascem do desejo de um empreendedor em ter um negócio que amadureça ao longo do tempo. Embora crescer a princípio não seja a prioridade, há sempre uma expectativa de que o negócio ganhe condições de sustentação no longo prazo. É certo que a vida de empreender em um negócio não é fácil.
Felizmente, muitos empresários vencem a barreira da sobrevivência atingindo certa estabilidade em seu negócio, tais como: a fidelização de clientes que passam a recomendar o seu negócio; estabilização do fluxo de caixa, gerando a possibilidade de investimento; a logística de insumos e produtos alinham-se às necessidades do cliente e do negócio; e a estabilidade do turnover.
À medida que o Negócio estabiliza, o empreendedor encontra desafios como, a sobrecarga, uma vez que assume múltiplas funções da empresa. As atividades do negócio consomem totalmente seu tempo e energia. As rotinas e os desejos pessoais são suprimidos pelas obrigações das atividades do negócio. Aquela motivação inicial que fez o negócio prosperar passa a ser um “fardo” e o questionamento “será que está valendo a pena” começa a pertencer ao dia a dia do empreendedor.
Tenho certeza que muitos empreendedores irão se identificar com a situação citada acima.
Segundo os “manuais” de gestão ou de empreendedorismo, a receita sugerida é a profissionalização. No entanto, considerando a realidade de cada um dos negócios o que isto significa na prática?
Bom, uma mudança desta natureza passa obrigatoriamente por uma revisão profunda do próprio empreendedor. Deve conscientizar quanto ao seu papel, modelos mentais, padrões de relacionamento e crenças de gestão. Apenas com a clareza e o real desejo da mudança, o empresário pode iniciar algum movimento diferente do que vem realizando. É ele quem precisa acreditar e liderar a mudança na empresa.
Então, como organizar a mudança e quais são os principais elementos que precisam ser cuidados, planejados e geridos?
Com meus trabalhos, observando e auxiliando, identifiquei elementos centrais nesta mudança pela qual empreendedores se tornam gestores organizacionais. É o que vamos trabalhar abaixo:
1- CRIANDO CLAREZA NA GOVERNANÇA DO NEGÓCIO
De maneira geral, governança é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas. Cabe ao sistema de governança:
- Definir e tornar clara a forma de atuação, estrutura e funcionamento interno para todos os envolvidos na organização;
- Orientar a gestão e as relações entres os diferentes atores envolvidos na organização;
- Auxiliar no desenvolvimento organizacional.
Tal sistema necessita de um documento guia, que reúne as definições que cabem à organização. No caso das pequenas empresas, este sistema de governança tem como finalidade extrair da cabeça do empreendedor, o que na maioria das vezes não está claro e construir institucionalmente as definições. Dessa forma, os colaboradores, terão bem definido quais são as regras do jogo e saberão como precisam agir. Alguns aspectos que compõem a Governança são:
- Direcionadores estratégicos: Visão, Missão e princípios organizacionais;
- Prática organizacional: serviços, produtos, clientes e modelo de negócio;
- Desenho organizacional: modelo de gestão, departamentos, órgãos de gestão, estrutura organizacional;
- Papéis e responsabilidades;
- Espaços de funcionamento: reuniões de rotina para a gestão organizacional;
- Processos estratégicos: decisão, gestão, comunicação, operação;
- Atividades essenciais para o funcionamento da organização.
Além da elaboração de um documento que sintetiza estas informações, a forma como estas definições são construídas é de extrema importância. Pode-se, por exemplo, construí-las de maneira participativa e aberta com os colaboradores da empresa ou de maneira centralizada nos principais decisores. Tal escolha estratégica é orientada pelo modelo de gestão adotado ou desejado na organização e cada uma delas apresenta facilidades e dificuldades particulares.
As principais barreiras para elaborar estas definições estão no desafio do próprio empreendedor engajar-se e seguir tais orientações, bem como gerar o engajamento das demais pessoas que compõem a organização. Além disso, cabe ao empreendedor liderar este processo dentro da organização.
2- DEFINIR INDICADORES DE DESEMPENHO DO NEGÓCIO
Outro aspecto essencial nesta transição organizacional é a definição de indicadores de acompanhamento do desempenho do negócio. Indicadores são fundamentais para fornecer feedback quanto à saúde do negócio. Geralmente, os indicadores utilizados abrangem três grande áreas organizacionais:
- Financeiro: faturamento, custo operacional, saldo operacional, crescimento líquido, etc.
- Operacional: eficiência produtiva, qualidade, rejeito, estoque, etc
- Satisfação: Colaboradores, fornecedores e clientes.
A maior preocupação é tornar os indicadores funcionais e úteis. Para isso:
- Escolha indicadores, no máximo 5 ou 6, que retratam com maior profundidade a saúde do negócio.
- Crie mecanismos de levantamento de informações que alimentem os indicadores com maior facilidade possível. Isto necessariamente dependerá da colaboração e do trabalho conjunto de toda a equipe. Por isso, envolva-os.
- Desenvolva uma cultura organizacional de gestão à vista e de leitura dos indicadores para formular estratégias e ações.
3- ESTABELECER ROTINAS DE GESTÃO E ACOMPANHAMENTO
Estabelecer rotinas que sustentam a vida organizacional é outro elemento fundamental. Torná-las claras e praticá-las a ponto de serem incorporadas na vida organizacional. Rotinas de gestão podem ser subdivididas em Gestão de Recursos, indicadores e pessoas. É comum olhar para as pessoas como recursos, mas não o são. Este é um erro grave na medida em que as pessoas não se comportam como recursos. Estabeleça rotinas diárias, semanais e mensais para cada uma das categorias acima. Por exemplo:
- Rotina diária: abertura e fechamento de caixa, conversa individual de acompanhamento de desempenho da equipe, reunião rápida com equipe, mídia, limpeza, etc.
- Semanal: estoque e compra de insumos, reunião semanal para leitura e análise de indicadores, reunião para alinhamento de equipe, etc.
- Mensal: balanço, pagamentos, relacionamento com fornecedores, etc.
Cada negócio demandará um tipo de rotina específica. O segredo é defini-las conforme a necessidade.
Vale lembrar que tais rotinas não são do empreendedor, mas sim da organização. Esta mudança de olhar é fundamental.
Além disso, para alguns negócios, tais rotinas necessitam de alguns procedimentos e processos predefinidos. Neste caso, envolva a equipe na elaboração destes. Existem riscos e oportunidades na predefinição de processos. De um lado um enrijecimento desnecessário, mas por outro gera clareza de “como” as coisas funcionam. Neste ponto, o que faz diferença é a forma pelo qual os processos serão definidos: de cima para baixo, definidos pelos decisores organizacionais ou com envolvimento dos colaboradores.
4- DELEGAR E FORMAR UM GESTOR
Para o empreendedor, este passo é o mais desafiante. Confiar à outra pessoa realizar tarefas, necessariamente exigirá a revisão de muitas crenças e inclusive no “jeito” de fazer as coisas. Além disso, exige do empreendedor “deixar de fazer” para uma outra pessoa assumir, ao passo que ele próprio precisa treiná-la e acompanhá-la. Neste aspecto, a mudança está no papel de empreendedor e passando a assumir o papel de gestor.
Nesta transição, o risco maior é das ações confrontarem-se com os desejos. Ou seja, o empreendedor quer “colocar a mão”, pois sempre fez isso, ao passo que deseja que a outra pessoa realize. Inúmeros questionamentos, incertezas e receios surgem nesta transição. Por isso, especialmente neste aspecto, orienta-se ter o acompanhamento de um orientador/consultor externo que auxilie a lidar com estes dilemas.
De todo modo, recomenda-se, apesar de muitas resistências, que este processo de transição organizacional seja acompanhado por um consultor externo no qual o empreendedor confie. A tendência de repetir o “modus operandis” é maior do que a de realizar a transição desejada.
Este é um assunto bastante amplo e com peculiaridades para muitos outros artigos. A ideia aqui foi apresentar linhas gerais para a transição de empreendedor para gestor organizacional. Cada processo de transição precisa ser olhado e cuidado com a particularidade de cada negócio, gestor e equipe. Os desafios da prática são inúmeros e por isso não pode ser entendido como uma fórmula “mágica” como muitos manuais de gestão têm apresentado.
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